Acho que descobri esses dias que a inspiração de artistas, poetas, escritores é vinda, na maioria das vezes, de uma mansa melancolia por eles sentida antes da criação...
Esclareço que não falo sobre tristezas intensas ou profundas angústias, mas de uma dorzinha pungente na alma capaz de parar o ser humano por alguns segundos para despertá-lo e fazê-lo refletir sobre o sentido da vida e de sua existência.
Nesses momentos, somos tocados pelo lado oculto das coisas e passamos a enxergar com nitidez o imperceptível, tal como se desvelou para Carlos Aranha o relógio do Lyceu Paraibano, em sua bela “Crônica pela Cidade Amada”.
A descoberta da necessidade de sentir essa ‘mansa melancolia’ antes escrever se deu ao notar que o meu extremo bom humor da última semana não me permitia redigir. E, mesmo com vontade de escrever, o ruído do meu contentamento me impedia de ouvir o sussurro da folha de papel.
Afinal, falar sobre quê? As ações do escritório e o cenário do nosso fórum cível? A minha explícita predileção por Marina Silva, dentre os presidenciáveis? Ou o lançamento do extraordinário livro “Cinema por escrito”, organizado por Sílvio Osias?
Desde cedo, aprendi que escrever não é uma técnica, mas uma arte. E como toda arte, não é coisa que nos determinemos a fazer no limite de assuntos e de prazos. A palavra é que nos convida, só nos resta estar à escuta para atender ao seu chamado. Ai o texto acontece. Neste instante, somos possivelmente domados pelo chicote das palavras, como diria o poeta Sérgio Castro Pinto.
Por isso, o que me motivou a escrever o texto de hoje não foram as críticas de Barreto Neto sobre os clássicos do cinema internacional, mas simplesmente perceber, ao sair da Fundação Casa de José Américo naquela noite, a falta de um botão na camisa de algodão azul e florzinhas vermelhas que usava na ocasião, e a tentativa de recolocá-lo ao chegar em casa.
O fato de nunca ter pregado um botão antes... a procura da caixa de costura e a recordação de sua compra em Recife, dias antes de partir para a França... a cena de Penélope bordando a tapeçaria de dia e desfazendo-a à noite, enquanto aguardava a volta de Ulisses para Ítaca e para os seus braços... a música de Gilberto Gil... tudo isso: pensamentos soltos, imagens e melodias misturavam-se em minha imaginação enquanto observava atentamente o vagaroso trajeto da linha e da agulha. O que está escondido por trás das tramas dos bordados da vida? Qual o sentido da existência humana?...