quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Porto de águas fecundas

Debruçada sobre o peitoril de um antigo casarão do centro histórico de Olinda, acompanhada do meu netbook, aprecio as faxadas coloniais e as ladeiras da cidade, enquanto observo a multidão, sob os últimos raios do sol que se despede, descer apressada em direção à Praça do Carmo, onde acontece a Fliporto. Ver Olinda assim do alto é um privilégio... as ruelas, os azulejos, o patrimônio histórico, que no século XVII era cenário de holandeses, agora abrigam viajantes outros em busca de alargar os horizontes para a inestimável contribuição dos judeus no Nordeste.

Tendo como tema a "A literatura judaica e o mundo íbero-americano", a sexta edição da Festa Literária Internacional de Pernambuco, que aconteceu entre os dias 12 a 15 de novembro, homenageou Clarice Lispector, a brasileiríssima escritora judia de origem ucraniana que viveu no Recife até a adolescência. A festa deixou em êxtase todos que passaram pela centenária Olinda nesse último final de semana. A diversidade de atrações que a sua programação contemplou, desde debates, sessões de autógrafos, exibição de filmes, cursos de gastronomia a uma feira de livros, que exibia mais de cem mil títulos, fez daquela cidade um porto perfeito para o "escambo de experiências e conhecimento", como bem disse Antônio Campos. Por ali desfilaram nomes importantes da intelectualidade brasileira e mundial, presenteando-nos com idéias afinadas, algumas vazes polêmicas e controversas, mas sempre ricas e fecundas. Durante quatro dias, imagens, palavras, sabores e melodias constituíram um mar infinito de criação que transformou Olinda num porto seguro para as aspirações de mentes mais inquietas e exigentes.

O bate papo informal de Camille Paglia à mesa com Marcia Tiburi e Gunter Axt, o diálogo de Benjamin Moser e Nadia Batela Gotlib em torno de Clarice Lispector, a reunião do renomado escritor e psicanalista Contardo Calligaris, com os premiados autores João Tordo e Ronado Wrobel, e a brilhante conferência de Alberto Manguel foram, na minha perspectiva, os pontos altos da Fliporto.

De resto, fica a sugestão às autoridades para que os nossos espaços públicos, praças e jardins, se tornem também palco de eventos desse tipo. Já começo a imaginar a Lagoa, rodeada de tendas, propiciando o debate de idéias em torno das grandes questões contemporâneas, que nos afligem, nos provocam e nos convocam...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Autorretrato

Há 26 anos, nestas terras do Cabo Branco, eu nasci, fruto do casamento de um engenheiro civil e uma professora de filosofia, cujo principal legado, transmitido aos seus três filhos, tem sido a formação acadêmica e a sólida educação moral.

Cheguei quando meus irmãos, Marcílio e Marcelo, tinham, respectivamente, 13 e 10 anos, imersa em um ambiente repleto de muito amor e cercada do que a vida pode oferecer de melhor: doces, uma biblioteca repleta de títulos, música e poesia. Não direi, como muitos, que foi amor demais, pois mamãe também me ensinou que amor nunca é demais, especialmente quando se trata daquele amor que de tão pleno, tão forte e verdadeiro conduz à liberdade.

Na infância, tive o privilégio de passar as férias na casa dos meus avós, Paulo e Nevinha Aquino, ao lado de quem muito aprendi. Dele, herdei o gosto pela literatura, a disciplina para os estudos, a fé em Deus. Dela, sobrevieram-me a perene alegria, a paixão pela vida.

A ruptura da adolescência se deu em 2003 com a aprovação no vestibular e o ingresso nas faculdades de Direito e Filosofia. Em 2005, a ida à França, o encontro antecipado com a maturidade, a descoberta do absolutamente novo e a lembrança das palavras de mamãe, repetindo os versos de Fernando Pessoa, na nossa despedida no aeroporto: “Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas foi nele que espelhou o céu.”

A conclusão da faculdade possibilitou-me a entrada no mestrado de Filosofia, o estudo de David Hume e das paixões como fundamento das ações humanas, o início da realização profissional e o encontro com Aníbal.

E agora, onde me encontro? Como uma tecelã, digo que estou ainda bem no comecinho da tessitura da malha da vida... Hoje, noiva de Aníbal, advogada e professora.Tudo isso faz parte de mim, mas não me reduzo a isso. Não me limito a isso. Na verdade, continuo sendo a mesma menina sonhadora que escrevia no seu diário de folhas cor de rosa e muito mais.

Hoje, no meu aniversário, não diria como Pablo Neruda: “confesso que vivi”. Mas, que estou vivendo com a intensidade que a vida requer e, se fosse caso de escolha, escolheria viver tudo novamente...