terça-feira, 29 de junho de 2010

Tecendo a vida

Acho que descobri esses dias que a inspiração de artistas, poetas, escritores é vinda, na maioria das vezes, de uma mansa melancolia por eles sentida antes da criação...
Esclareço que não falo sobre tristezas intensas ou profundas angústias, mas de uma dorzinha pungente na alma capaz de parar o ser humano por alguns segundos para despertá-lo e fazê-lo refletir sobre o sentido da vida e de sua existência.
Nesses momentos, somos tocados pelo lado oculto das coisas e passamos a enxergar com nitidez o imperceptível, tal como se desvelou para Carlos Aranha o relógio do Lyceu Paraibano, em sua bela “Crônica pela Cidade Amada”.
A descoberta da necessidade de sentir essa ‘mansa melancolia’ antes escrever se deu ao notar que o meu extremo bom humor da última semana não me permitia redigir. E, mesmo com vontade de escrever, o ruído do meu contentamento me impedia de ouvir o sussurro da folha de papel.
Afinal, falar sobre quê? As ações do escritório e o cenário do nosso fórum cível? A minha explícita predileção por Marina Silva, dentre os presidenciáveis? Ou o lançamento do extraordinário livro “Cinema por escrito”, organizado por Sílvio Osias?
Desde cedo, aprendi que escrever não é uma técnica, mas uma arte. E como toda arte, não é coisa que nos determinemos a fazer no limite de assuntos e de prazos. A palavra é que nos convida, só nos resta estar à escuta para atender ao seu chamado. Ai o texto acontece. Neste instante, somos possivelmente domados pelo chicote das palavras, como diria o poeta Sérgio Castro Pinto.
Por isso, o que me motivou a escrever o texto de hoje não foram as críticas de Barreto Neto sobre os clássicos do cinema internacional, mas simplesmente perceber, ao sair da Fundação Casa de José Américo naquela noite, a falta de um botão na camisa de algodão azul e florzinhas vermelhas que usava na ocasião, e a tentativa de recolocá-lo ao chegar em casa.
O fato de nunca ter pregado um botão antes... a procura da caixa de costura e a recordação de sua compra em Recife, dias antes de partir para a França... a cena de Penélope bordando a tapeçaria de dia e desfazendo-a à noite, enquanto aguardava a volta de Ulisses para Ítaca e para os seus braços... a música de Gilberto Gil... tudo isso: pensamentos soltos, imagens e melodias misturavam-se em minha imaginação enquanto observava atentamente o vagaroso trajeto da linha e da agulha. O que está escondido por trás das tramas dos bordados da vida? Qual o sentido da existência humana?...

terça-feira, 15 de junho de 2010

Escrever é preciso

Escrever é vital para mim. Assim como meus pulmões precisam de ar, sinto a necessidade de traduzir os reflexos e a sublime imprecisão dos meus sentimentos que dão cor e ritmo à vida. São com os meus sentimentos que eu toco o mundo e sou tocada por ele. Alegria e tristeza, dor e prazer, manhãs ensolaradas e noites chuvosas, tudo é vida... e é essa maravilhosa sensação de existir que busco celebrar com as minhas palavras.
Escrever é um hábito que remonta a minha infância. Comecei a relatar as impressões do meu mundinho particular quando ganhei um diário de folhas cor-de-rosa no meu aniversário de 8 anos. A partir dai, nunca mais deixei de transpor em palavras o que sentia. A adolescência chegou e a paixão pela escrita me conduziu ao encontro de diversos autores... suas palavras tocavam minha alma e, aos poucos, iam tecendo a melhor parte do que sou hoje. Comecei minhas descobertas com a poesia e as crônicas de Vinicius, e ainda conservo um livrinho que ganhei aos 14 anos, “Para uma menina com uma flor”, ao lado do qual mergulhava na personagem da menina e passava as tardes imaginando que o poeta tinha escrito aquilo para mim.
Mas foi através do olhar de Clarice Lispector que passei a enxergar a existência e o existir. Numa manhã de sábado, entrei no gabinete sedenta à procura de um livro e, ao pedir a mamãe uma sugestão, ela tirou da estante “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”. A partir de Clarice, deparei-me com a beleza da diversidade de tons que o cotidiano é capaz de nos revelar. Com ela, ainda, percebi que alma e sentimento não se deixam aprisionar na rigidez dos cânones literários...
Em seguida, vários outros autores começaram a fazer parte das minhas descobertas. Vieram Kafka, Dostoievski e Kundera para me apresentar o cenário do leste europeu, a cor do regime comunista e a vastidão de dores e dissabores dos seus personagens; Pablo Neruda, Garcia Márquez, Vargas Llosa e Isabel Allende me proporcionaram as descobertas da América Latina e a face da corrupção política nesses países; Pessoa e sua aldeia desvelaram-me uma riqueza de sensações a cada nova leitura de seus versos; a proximidade do vestibular me trouxe Camões, Bilac e Drummond; e o ingresso na faculdade de filosofia me fez penetrar nas leituras das tragédias gregas e no imaginário do Olimpo.
No tempo livre, passei então a ficar em casa escrevendo, à sombra do jambeiro. Ah, o jambeiro da minha casa... embaixo dele, quantas inúmeras histórias minha mãe nos contou no embalo da rede e de seus afagos. Mitos, heróis e reinos distantes desfilavam à nossa frente, do mesmo modo como são hoje transmitidos aos meus sobrinhos por meus irmãos.
E assim, escrevo para atender a este apelo vital. Escrevo com o prazer de eternizar o que senti naquele dia... desejando fazer a experiência de re-sentir, sentir outra vez, cada vez que eu leio. Mas, sobretudo, escrevo para não esquecer que sinto. Ainda que sinta sob o peso de um mundo que calcula.