terça-feira, 21 de setembro de 2010

A lembrança é o recanto da saudade...

Acordei recordando que um dos meus programas favoritos, quando estudante na França, era aproveitar as manhãs ensolaradas de domingo para ir a “La Brocante”, um mercado público itinerante também conhecido como Feira de Antigüidades, “Marché de Puces” ou “Flohmarkt”, no qual famílias armam uma mesinha para vender objetos pessoais de que não se servem mais. Lá, a gente encontra desde roupas e bijuterias a discos, brinquedos, candelabros, porcelanas, faqueiros e livros, raros ou antigos.
A diversão e o inusitado do passeio é a coincidência de nos depararmos com os próprios donos das quinquilharias que, muitas vezes, acabam nos contando um pouco da historia daquela antiga peça. Encontramos crianças vendendo coleções de bonecas e jogos de vídeo-game, e fazendo a boa propaganda para os novos jovens compradores; senhoras de cabelos grisalhos desfazendo-se dos cristais e pratarias; fashionistas à procura dos modelos mais usados (e ousados!) de calça jeans “Levis” e tênis “All star”, cinqüentões expondo suas furadeiras, ferramentas e instrumentos de jardinagem em perfeito estado de conservação. Em síntese, todos estão com um largo sorriso no rosto: uns porque venderam o que consideravam inutilidades e outros porque compraram tesouros por uma boa pechincha!
Na verdade, a primeira vez que fui a um mercado como aquele tinha onze anos e acabava de chegar em Brugges com meus pais. Ainda me lembro da alegria que senti quando comprei um urso de pelúcia enorme, negociado por uma garotinha e seus irmãos num parque próximo à estação de trens. Alguns anos depois, em um Flohmarkt de Berlim, também comprei um sobretudo bege, da marca Adler, semelhante ao que Ingrid Bergman usou em Casablanca, que preservo até hoje como uma verdadeira relíquia!
Morando na França, não poderia ser diferente. Divertia-me nas ruelas dos mercados, descobrindo fascinada cada história guardada nos inúmeros objetos do mundo das Brocantes. Os "petits souvenirs, pas chers" garimpados nessas andanças transformaram o meu quarto num mundinho de significativas recordações… Entre os meus achados prediletos estão duas antigas caixinhas de madeira de charutos cubanos Ramon Allones, ainda com o timbre de importação de uma empresa de Genebra e adornadas com uma gravura de “Romeo y Julieta”, um encantador cartão postal naïf de uma boulangerie parisiense, um pequeno porta-jóias da secular fabrica de porcelana Villeroy & Boch, um castiçal de cristal de Reims (adquirido por um Euro e pela escuta de uma bela história de amor!), um livrinho de culinária com molduras art-nouveau realçando o menu de cada dia e, por último, um CD do charmoso Patrick Bruel.
Foi com mamãe que aprendi a enxergar a beleza e a magia pulsante dos mercados públicos... e tudo isso serviu para a construção da melhor parte do que sou hoje...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O valor do silêncio

O que mais se discutiu nos sites de política das últimas semanas foi a declaração da assessoria de imprensa de um dos candidatos à chefia do Executivo que ele não mais participaria de debates na televisão. E, segundo jornalistas de canetas afiadas, o motivo da declaração é a sua possível queda nas pesquisas diante da inaptidão que o candidato tem para dominar o tempo das respostas, além de escorregar no português. Pra completar, outros segmentos da imprensa alegaram que o não comparecimento se daria pela falta de ousadia e coragem para enfrentar seu oponente.
A enxurrada de notícias só me fez lembrar dos embates entre Sócrates e os sofistas gregos; estes últimos conhecidos pelas suas habilidades retóricas e argumentativas, e preocupados, muito mais, com o poder do que com a verdade.
Por isso, eu, que já plantei girassóis no meu jardim, vejo-me agora instigada a refletir sobre a coragem, confrontando-a com a honra, bem própria dos heróis das epopéias homéricas.
Seria uma expressão de coragem alguém conquistar o meu voto e o voto de mais de 262 mil eleitores da cidade, por levantar a bandeira da justiça-social, vestir a camisa laranja da honestidade, regar com esperança a vastidão dos girassóis, símbolos da liberdade de um povo e, subitamente, fazer uma contraditória e inexplicável aliança com opositores de alma e de idéias?
Seria corajoso desviar-se das veredas das virtudes políticas para tomar os atalhos sombrios dos vícios da politicagem? Seria, ainda, corajoso negar luz e calor a girassóis em florescência, pretender que definhem como plantas mirradas e sem vida, abrindo a insetos e serpentes as porteiras do mesmo campo onde outrora proliferavam flores?
Assim, superada a decepção e a tristeza, entendo agora que escorregões ocasionais na linguagem não impedem um candidato, ou melhor, um jardineiro, de fazer a sementeira, cuidar do seu canteiro e realizar as suas obras. Não podemos esquecer que embora uma bela arte, a retórica abriga sempre o perigo de manipular e enganar, se o sofista assim o quiser.
Por isso, penso ser melhor o cuidado mudo de um jardineiro simples, cuja honra é um valor que ainda preserva, do que a requintada oratória, o barulho inflamado e o grasnar ensandecido de corvos em aliança.
Afinal, é no silêncio que um jardineiro cuida de sua seara. É no silêncio que um mestre de obras trabalha o seu canteiro. É no silêncio que as urnas respondem à infidelidade de um líder ao povo que nele confiou e por ele se fez representar...