terça-feira, 15 de junho de 2010

Escrever é preciso

Escrever é vital para mim. Assim como meus pulmões precisam de ar, sinto a necessidade de traduzir os reflexos e a sublime imprecisão dos meus sentimentos que dão cor e ritmo à vida. São com os meus sentimentos que eu toco o mundo e sou tocada por ele. Alegria e tristeza, dor e prazer, manhãs ensolaradas e noites chuvosas, tudo é vida... e é essa maravilhosa sensação de existir que busco celebrar com as minhas palavras.
Escrever é um hábito que remonta a minha infância. Comecei a relatar as impressões do meu mundinho particular quando ganhei um diário de folhas cor-de-rosa no meu aniversário de 8 anos. A partir dai, nunca mais deixei de transpor em palavras o que sentia. A adolescência chegou e a paixão pela escrita me conduziu ao encontro de diversos autores... suas palavras tocavam minha alma e, aos poucos, iam tecendo a melhor parte do que sou hoje. Comecei minhas descobertas com a poesia e as crônicas de Vinicius, e ainda conservo um livrinho que ganhei aos 14 anos, “Para uma menina com uma flor”, ao lado do qual mergulhava na personagem da menina e passava as tardes imaginando que o poeta tinha escrito aquilo para mim.
Mas foi através do olhar de Clarice Lispector que passei a enxergar a existência e o existir. Numa manhã de sábado, entrei no gabinete sedenta à procura de um livro e, ao pedir a mamãe uma sugestão, ela tirou da estante “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”. A partir de Clarice, deparei-me com a beleza da diversidade de tons que o cotidiano é capaz de nos revelar. Com ela, ainda, percebi que alma e sentimento não se deixam aprisionar na rigidez dos cânones literários...
Em seguida, vários outros autores começaram a fazer parte das minhas descobertas. Vieram Kafka, Dostoievski e Kundera para me apresentar o cenário do leste europeu, a cor do regime comunista e a vastidão de dores e dissabores dos seus personagens; Pablo Neruda, Garcia Márquez, Vargas Llosa e Isabel Allende me proporcionaram as descobertas da América Latina e a face da corrupção política nesses países; Pessoa e sua aldeia desvelaram-me uma riqueza de sensações a cada nova leitura de seus versos; a proximidade do vestibular me trouxe Camões, Bilac e Drummond; e o ingresso na faculdade de filosofia me fez penetrar nas leituras das tragédias gregas e no imaginário do Olimpo.
No tempo livre, passei então a ficar em casa escrevendo, à sombra do jambeiro. Ah, o jambeiro da minha casa... embaixo dele, quantas inúmeras histórias minha mãe nos contou no embalo da rede e de seus afagos. Mitos, heróis e reinos distantes desfilavam à nossa frente, do mesmo modo como são hoje transmitidos aos meus sobrinhos por meus irmãos.
E assim, escrevo para atender a este apelo vital. Escrevo com o prazer de eternizar o que senti naquele dia... desejando fazer a experiência de re-sentir, sentir outra vez, cada vez que eu leio. Mas, sobretudo, escrevo para não esquecer que sinto. Ainda que sinta sob o peso de um mundo que calcula.

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