terça-feira, 5 de outubro de 2010

Parisianismo


Escrevo ao som da melodiosa voz de Maria Rita na canção “Encontros e Despedidas”, de Milton Nascimento: “Coisa que gosto é poder partir sem ter planos”.
A música me levou àquela manhã de primavera... Saltei do trem quando o relógio da Gare de Lyon anunciava nove horas e trinta e oito minutos. Nesse instante, senti pela primeira vez um pouco do sabor da liberdade absoluta. Um sabor nem sempre agradável, pois a primeira sensação ao chegar sozinha à estação foi desejar o abraço apertado de alguém que estivesse ali me esperando, tal como a personagem da canção: “me dê um abraço, venha me apertar, tô chegando”... Procurei sufocar o sentimento acreditando ser ele apenas o reflexo de uma solitária saudade acumulada após oito meses na França.
Todos os dias é um vai-e-vem, a vida se repete na estação”. Desci as escadarias, dirigi-me ao guichê, comprei uma Carte Orange para três dias, tomei o metrô em sentido La Defense e desci na estação Louvre-Rivoli.
Flashes de recordações começaram a me perseguir por todo o itinerário até o hotel, localizado na Rue Jean-Jacques Rousseau. Primeiro arrondissement: o coração da cidade! Confesso que ao encontrá-lo, não contive algumas lágrimas. Percebi a feliz coincidência de ter feito uma reserva onde, anos antes, hospedara-me com meus pais, em minha primeira visita à Paris. "Tem gente que vem e quer voltar,(...) tem gente a sorrir e a chorar".
Após me acomodar no quinto andar, na “chambre 53” de um corredor repleto enormes janelas que mostravam os telhados da cidade, sai para dar uma volta. Rue Sant Honoré, Rue de Rivoli, Rue du Louvre, Place de la Comédie Française, Palais Royal: tudo isso estava em meu entorno e me fascinava. Apesar da chuva fina que caia e assinalava o final do inverno, voltar a Paris era um motivo de prazer manso e profundo contentamento.
A cada passo, comecei a ser tocada pelo indelével e secular charme da cidade, marcado pelo contraste entre a riqueza do seu patrimônio histórico e a simplicidade dos seus cafés, sem falar do inegável tom cosmopolita encontrado na culinária, na moda de cada esquina, nas diferentes línguas que escutamos nas ruas e nas feições, sobretudo orientais, que enchem as principais boutiques e perfumarias da cidade. Ingleses, espanhóis, japoneses, máquinas fotográficas e dólares são tão Paris quanto a Torre Eiffel, o Sena e o Arco do Triunfo.
Ao final do terceiro dia, como uma despreocupada “flâneuse” e rendida ao sentimento de parisianismo que inspirou e atraiu inúmeros artistas e intelectuais à Cidade Luz, comi um sanduíche de salmão no Café Deux Magots e comprei a edição baratinha de “Ferragus”, de Balzac. Em torno de cinco e meia da tarde, atravessei o Sena pela “Pont des Artistes” e voltei à estação para tomar o trem de volta pra casa. No percurso, devorei o primeiro capitulo da obra, intitulado “Madame Jules”, no qual o autor descreve minuciosamente o perfil das ruas parisienses e dos seus freqüentadores, no inicio do século XIX.
Os versos da música agora me dizem: “a hora do encontro é também de despedida”. Afinal, "chegar e partir são só dois lados da mesma viagem”...

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